CARTA AO EDITOR
Contracepção: responsabilidade do médico e da paciente

Contraception: responsibility of the doctor and the patient

Renato de Souza Bravo

2018
Vol. 128 - Nº.01
Pag.22 – 23

A pílula anticoncepcional trouxe mudanças na forma de planejar a família, tendo como consequência a autonomia dos casais, que passaram a decidir quando e se querem ter filhos, bem como quantos desejam ter. Em 12 de janeiro de 1996, foi sancionada a Lei nº 9.2631, que regulamenta o planejamento familiar no Brasil e estabelece o seguinte em seu art. 2º: “Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal”.

Em âmbito internacional, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada no ano de 1948, a comunidade internacional, por meio da Organização das Nações Unidas (ONU), vem firmando uma série de convenções internacionais nas quais são estabelecidos estatutos comuns de cooperação mútua e mecanismos de controle que garantam um elenco de direitos considerados básicos à vida digna, os chamados direitos humanos. A Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento das Nações Unidas (CIPD) conferiu papel primordial à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos, ultrapassando os objetivos puramente demográficos, focalizando no desenvolvimento do ser humano. A CIPD provocou transformação profunda no debate populacional ao dar prioridade às questões dos direitos humanos2. No capítulo VII do relatório dessa conferência, lê-se o seguinte:

7.2 A saúde reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não simples[mente] a ausência de doença ou enfermidade, em todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo e a suas funções e processos. A saúde reprodutiva implica, por conseguinte, que a pessoa possa ter uma vida sexual segura e satisfatória, tenha a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando, e quantas vezes o deve fazer. Implícito nesta última condição está o direito de homens e mulheres de serem informados e de ter acesso a métodos eficientes, seguros, permissíveis e aceitáveis de planejamento familiar de sua escolha, assim como outros métodos, de sua escolha, de controle da fecundidade que não sejam contrários à lei, e o direito de acesso a serviços apropriados de saúde que deem à mulher condições de passar, com segurança, pela gestação e pelo parto e proporcionem aos casais a melhor chance de ter um filho sadio2.

Em nosso meio, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) de 2006 mostrou a utilização de algum método contraceptivo em 80% das mulheres sexualmente ativas.

Entre os métodos utilizados, a pílula é o mais frequente. A facilidade em obter-se o produto, sem necessidade de receita médica, facilita por demais a sua escolha. A utilização sem orientação médica, uma vez que dispomos de quase 150 tipos de apresentações comerciais, traz, em seu bojo, um dos maiores motivos para o seu uso irregular, demandando dessa forma gestação não programada e consequentemente mais risco de aborto provocado. Em função disso, há atualmente mais incentivo pelo uso de métodos de longo prazo, reversíveis, que não dependem da lembrança diária3.

Os resultados confiáveis das principais pesquisas sobre aborto no Brasil comprovam que a ilegalidade traz consequências negativas para a saúde das mulheres, pouco coíbe a prática e perpetua a desigualdade social. O risco imposto pela ilegalidade do aborto é majoritariamente vivido pelas mulheres pobres e pelas que não têm acesso aos recursos médicos para o aborto seguro. O que há de sólido no debate brasileiro sobre aborto sustenta a tese de que o aborto é uma questão de saúde pública.

O abortamento na adolescência ocorre entre 7 e 9% do total de abortamentos realizados por mulheres em idade reprodutiva. A maior parte dos casos ocorre no segmento de 17 a 19 anos, ou seja, entre as adolescentes mais velhas. Estudos com adolescentes puérperas indicam que entre 12,7 e 40% delas tentam o abortamento antes de decidir dar prosseguimento à gestação. Pesquisas qualitativas sugerem que 73% das jovens entre 18 e 24 anos cogitam a possibilidade do abortamento antes de optar por manter a gravidez. Esses dados foram publicados em 2009, no material 20 anos de Pesquisa Sobre Aborto no Brasil, do Ministério da Saúde4.

Os resultados da Pesquisa Nacional de Aborto de 2016 (PNA 2016), baseada em um levantamento domiciliar que combina técnica de urna e entrevistas face a face com mulheres de 18 a 39 anos, com amostra representativa do Brasil urbano, revelam que o abortamento é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões: em 2016, quase uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já realizou, pelo menos, um aborto. Em 2015, foram aproximadamente 416 mil mulheres. Há, no entanto, heterogeneidade nos grupos sociais, com maior frequência de abortamento entre mulheres de menor escolaridade, pretas, pardas e indígenas, vivendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Como já mostrado pela PNA 2010, metade das mulheres utilizou medicamentos para abortar, e quase a metade delas precisou ficar internada para finalizar o abortamento.

Considerando toda a população feminina entre 18 e 39 anos no Brasil, 4,7 milhões de mulheres já fizeram abortamento ao menos uma vez na vida. O perfil da mulher que aborta é comum: 67% têm filhos e 88% declaram ter religião - 56% são católicas, 25% evangélicas ou protestantes e 7% professam outras religiões. Isso significa que 2,6 milhões de mulheres católicas já fizeram abortamento ao longo da vida no Brasil.

A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), juntamente com a Comissão Nacional Especializada de Anticoncepção, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), vem trabalhando para a formulação e a implementação de políticas em relação ao planejamento familiar, entre os quais os métodos anticoncepcionais de longa duração (long-acting reversible contraception - LARC), no Sistema Único de Saúde (SUS), para evitar gravidez entre adolescentes de 15 a 19 anos. Esses dispositivos conhecidos por LARC constituem hoje a primeira linha contraceptiva em adolescentes. Deverão ser recomendados anteriormente à sugestão de pílulas anticoncepcionais ou outro método contraceptivo menos eficaz. Ressalta-se a necessidade de uma comunicação em linguagem acessível para informar à adolescente sobre os diversos tipos de LARC, sua segurança, sua praticidade e sua imediata reversibilidade. Os métodos classificados como LARC são os dispositivos intrauterinos (DIUs) e os implantes subdérmicos de etonogestrel, e alguns pesquisadores incluem também nesse grupo o acetato de medroxiprogesterona de depósito. Os DIUs são utilizados há várias décadas e, apesar de reconhecidas altas taxas de eficácia, seu uso ainda é pouco difundido em quase todo o mundo5.

Esses métodos contraceptivos são extremamente eficazes quando usados corretamente, e cabem ao médico o aconselhamento e o acesso a eles, o que representa um dos componentes mais importantes no cuidado da saúde das jovens e, ainda, o preparo profissional para esse tipo de atuação6,7,8.

REFERENCES

1. Brasil. Presidência da República. Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Brasil; 1996.
2. Organização das Nações Unidas. Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento [Internet]. Organização das Nações Unidas; 2014 [acesso em 24 jul. 2018]. Disponível em:
3. Brasil. Ministério da Saúde. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Caderno nº 1 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde; 2005 [acesso em 20 jul. 2018]. Disponível em:
4. Diniz D, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(2):653-60.
5. Monteiro IMU. Contracepção de longo prazo: dispositivo intrauterino (Mirena®). Femina. 2015;43(Supl. 1):21-6.
6. Francis JKR, Gold MA. Long-Acting Reversible Contraception for Adolescents: A Review. JAMA Pediatr. 2017 Jul 1;171(7):694-701.
7. Diedrich JT, Klein DA, Peipert JF. Long-acting reversible contraception in adolescents: a systematic review and meta-analysis. Am J Obstet Gynecol. 2017 Apr;216(4):364.e1-364.
8. The American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Committee Opinion 710 [Internet]. August 2017 [acesso em 20 jul. 2018]. Disponível em: h
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