EDITORIAL
A metodologia de aprendizagem ativa: um desafio para o ensino da ginecologia e obstetrícia

Active learning: a challenge for teaching gynecology and obstetrics

Renato Augusto Moreira de Sá 1, Jorge Calmon de Almeida Biolchini 2

2018
Vol. 128 - Nº.01
Pag.02 – 03

As novas diretrizes curriculares dos cursos de Medicina, que buscam a formação de médicos generalistas, humanistas, com postura crítica e reflexiva, têm provocado mudanças no ensino médico em busca de possibilitar maior eficácia na formação e permitir aos egressos lidar com problemas da sociedade brasileira1. A visão sistêmica do ser humano, levando em consideração os aspectos biopsicossociais e o entendimento da construção do saber, reforçam a necessidade de um modelo pedagógico focado nas metodologias de aprendizagem ativa, aplicadas à obstetrícia2.

As discussões e propostas sobre o ensino médico ocorrem na confluência entre os movimentos educacionais e os específicos de reformulação no campo de atuação dos profissionais de saúde. Nesse contexto, para que se atinja o perfil de egresso estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), o graduando precisará ter contato precoce e progressivo com as demandas e a organização da atenção à saúde feminina, favorecendo o aprendizado ativo, motivado por situações reais e buscando a resolução dos problemas apresentados, como convém para o aprendizado de adultos3,4.

A metodologia de aprendizagem ativa (MAA) caracteriza-se pela concepção pedagógica centrada no aprendiz que “aprende a aprender”, por meio da mediação do conhecimento, tornando-se protagonista do seu próprio aprendizado1. Existe uma mudança de paradigma: enquanto a aprendizagem tradicional se ocupa com “o quê” deve ser transmitido e é dependente do método de repetição e memorização, a aprendizagem ativa se preocupa com “como” o estudante vai adquirir o conhecimento e acredita que se aprende fazendo5.

O uso da MAA é centrado no estudante, e a sua aplicação foi motivada pelo reconhecimento das falhas dos métodos do ensino tradicional e pela necessidade da compreensão mais aprofundada do ato de aprender. As MAAs têm como alicerces principais os princípios do construtivismo e da autonomia, que, aplicados ao conhecimento e seus processos, centram-se na capacidade do sujeito em dar ativamente origem às estruturas e aos processos que determinam suas transformações1,5.

A aprendizagem ativa desenvolve não apenas o conhecimento, mas também as habilidades (destrezas) e as atitudes (comportamentos). Também incentiva a prática precoce, reduzindo o abismo entre a graduação e o trabalho a ser exercido pelo futuro profissional1.

Sob o ponto de vista pedagógico, as técnicas e atividades adotadas pelas MAA atuam despertando a curiosidade e a criatividade, à medida que os estudantes trazem novos enfoques para os problemas propostos1. Esses elementos servem de base para novas discussões, o que estimula o comprometimento do aluno e a sensação de que são, de alguma forma, proprietários do tema1.

Existem inúmeras MAAs, cujas atividades se assemelham em sua essência. Essas habitualmente desencadeiam aprendizagens simultâneas de diversas naturezas, como busca de informações, análise de dados, poder de síntese, tomada de decisão, análise crítica e reflexiva, capacidade de argumentação, entre outras habilidades5. Desenvolvem, ainda, atitudes e comportamentos essenciais ao exercício da profissão, como tolerância, respeito às ideias diferentes das suas e autoestima. Caracteristicamente, as MAAs se utilizam de múltiplos métodos de ensino-aprendizagem, entre os quais destacamos aqueles que visam a despertar a análise crítica, a criatividade e o autodesenvolvimento do discente1. As MAA utilizam atividades que motivam os alunos para a construção do saber, mediante atividades que exploram o seu conhecimento prévio, ao mesmo tempo em que desenvolvem habilidades e atitudes que ultrapassam o simples conhecimento. Preocupam-se com a formação de valores e atitudes considerados essenciais, como empreendedorismo, flexibilidade, autoconfiança, comunicação, entre outras5.

Para a aprendizagem da obstetrícia no nível da graduação, a maioria do conhecimento, das habilidades e atitudes esperadas para a especialidade é adquirida durante o internato6. O aprendizado em serviço do internato e da residência médica, etapas diferenciadas de aprendizagem da prática clínica gineco-obstétrica, requer um tutor ou preceptor muito bem preparado6,7. Deve estar atualizado no conhecimento clínico, ser habilidoso tecnicamente e na relação com o paciente e seu aluno, sensível às necessidades de ambos, apto a retroalimentar o aluno em relação ao seu desempenho no atendimento ao paciente e capaz de contribuir para a decisão a respeito da qualificação desse discente para prosseguir nas próximas etapas da carreira8,9. Contudo, é importante notar que existem fatores decisivos para seu êxito ou fracasso pedagógico. O primeiro, e mais importante, é a necessidade imperiosa de que os estudantes, os protagonistas do processo, compreendam e estejam dispostos a utilizar as MMA5. Outro fator diz respeito ao professor, que deve selecionar atividades motivadoras e adequadas para cada objetivo pedagógico, explicar claramente a finalidade da atividade, criar situações de debate, avaliar os progressos da aprendizagem individual, em intervalos regulares e, sobretudo, estar preparado para inesperadas mudanças de rumo, a qualquer momento do processo de ensino1.

Há dois grandes desafios a enfrentar. O primeiro é definir os conteúdos, as estratégias pedagógicas, os melhores contextos e fases de aprendizado para cumprir um programa qualificado até o final do sexto ano do curso médico, adotando um sistema de avaliação que seja compatível com as DCN5. Outro importante desafio é capacitar professores ou tutores para exercer esse papel com a maior efetividade possível, por meio de programas de desenvolvimento docente intra ou interinstitucionais1.

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Fonte de financiamento: nenhuma.

Conflict of interests

Conflito de interesses: nada a declarar.

Affiliation

1 Universidade Federal Fluminense - Niterói (RJ), Brasil.
2 Pontifícia Universidade Católica - Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

REFERENCES

1. Aranha RN, Ed. Proposta para uma graduação médica contemporânea. Rio de Janeiro: Koan; 2011. v.1.
2. Deane RP, Murphy DJ. Proposed learning strategies of medical students in a clinical rotation in obstetrics and gynecology: a descriptive study. Adv Med Educ Pract. 2016;7:489-96.
3. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em medicina [Internet]. 2014 [citado em out. 2017]. Disponível em:
4. Brasil. Resolução CNE/CES n. 04/2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Medicina. Diário Oficial da União. 2001;1:38.
5. Gemignani EYMY. Formação de Professores e Metodologias Ativas de Ensino-Aprendizagem: Ensinar Para a Compreensão. Fronteiras Educação [Internet]. 2012 [citado em out. 2017];1(2). Disponível em:
6. Hotimsky SN. A formação em obstetrícia: competência e cuidado na atenção ao parto [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2007.
7. Amaral E, Azevedo GD, Abbade J. O ensino e o aprendizado de ginecologia e obstetrícia na graduação: desafios e tendências. Rev Bras Ginecol Obstet. 2007;29(11):551-4.
8. Buek JD. Medical education: what’s relevant, what’s irrelevant, and what’s missing. Obstet Gynecol. 2007;109(3):786.
9. Erickson SS, Bachicha J, Bienstock J, Ciotti MC, Hartmann DM, Cox S, et al. The process of translating women’s health care competencies into educational objectives. Am J Obstet Gynecol. 2002;187(3 Supl.):S25-7.

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Autor correspondente: renatosa.uff@gmail.com

History

Received: 17/02/2018

Accepted: 22/04/2018

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